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Benigna e a "pureza"

Por Kleber Moitinho

Por Redação em às | Foto: Divulgação

Ocorreu ontem, no sertão do Cariri-CE, a cerimônia de beatificação de Benigna Cardoso da Silva, menina que, aos treze anos, foi assassinada a golpes de facão por resistir a uma tentativa de estupro em 1941. Normalmente, a beatificação ocorre após o reconhecimento oficial do Vaticano de um milagre atribuído a determinada pessoa. Após o segundo milagre comprovado, dá-se a canonização e a pessoa é considerada santa. Porém, no caso de Benigna, não há ainda a comprovação oficial de um milagre, mas o fato dela ser considerada uma mártir por ter morrido defendendo sua castidade, sua pureza. Foi-lhe atribuída a alcunha de Heroína da Castidade.

 

Será que, naquele momento de violência, Benigna realmente pensou que precisava a qualquer custo se manter casta aos olhos do Senhor? Ou ela quis simplesmente se livrar daquele cabra seboso que a estava molestando? E, caso ela não tivesse reagido, como acontece a milhões de outras crianças, subjugadas pela relação de poder presente nesses casos, ela teria se tornado menos pura?

 

Vejo nesta história a perpetuação de um discurso machista, patriarcal, que oprime a sexualidade feminina, que vincula o rompimento de uma membrana vaginal a um estado de "impureza", que nega à mulher o direito à propriedade do seu corpo, do seu desejo. É certo que a repressão sexual, que a visão do prazer sexual como um ato condenável, característica do cristianismo, não se restringe ao feminino. Entretanto, a situação é incomparavelmente mais grave em relação às mulheres.

 

O crescimento do culto à, agora, Beata Benigna deve ser fruto de muitas graças alcançadas, ainda não reconhecidas oficialmente. Não me cabe questionar estes atos de fé. Contudo, a decisão do Vaticano de enaltecer seu martírio em nome da "pureza" não é benigna para o avanço rumo à igualdade de existência das mulheres.

 

Por: Kleber Moitinho

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