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“Axé é afro e não é da igreja”, alerta especialista sobre apagamento no gênero musical baiano

Por Redação em às | Foto: Divulgação

O Axé Music é um dos gêneros mais populares nascidos na Bahia, marcado por sua força percussiva e ligação direta com as religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé. No entanto, segundo a consultora de relações étnico-raciais e de gênero, Tainara Ferreira,o ritmo tem sido alvo há anos de um processo silencioso, contínuo e subjetivo de apagamento cultural e apropriação por parte da indústria fonográfica e de artistas que se beneficiam do estilo sem reconhecer suas origens.

O posicionamento ocorre após o anúncio da edição comemorativa do AfroPunk para os 40 anos de existência do Axé, contando com a participação de Tatau, Márcia Short e Lazzo Matumbi, três artistas negros e referências no ritmo – o que se tornou alvo de críticas. Em defesa à programação do evento, a especialista ressalta que isso é reflexo do racismo sistêmico e de um processo de embranquecimento da cultura afro-baiana para agradar um monopólio conservador, que exclui as referências aos orixás e aos fundamentos da religião e sua cultura, nas músicas e apresentações, mas se beneficiam enriquecendo dessa arte.

"Há anos observamos um movimento subjetivo e altamente perigoso de esvaziamento que se deu através de artistas que se apropriam desse ritmo mas omitem ou rejeitam suas raízes, apesar de sua fama e enriquecimento ser pautada nas bases culturais da religião. Porém, o AfroPunk mais uma vez mostra que o seu compromisso e curadoria são impecáveis" parabeniza.

O alerta de Tainara também vem em um momento simbólico: recentemente o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que cria o Dia Nacional do Axé Music, a ser celebrado em 17 de fevereiro. A data reconhece oficialmente a importância histórica e cultural do gênero para o Brasil, mas, segundo a especialista, esse reconhecimento precisa ser acompanhado de responsabilidade e respeito às origens.

Se o país reconhece o axé como patrimônio, precisa proteger também a história que o gerou. Axé é afro. Não é da igreja, não é genérico. É resistência, é memória, é identidade”, ressalta em tom crítico.

Relação com a fé

Iniciada no candomblé Angola e nascida em Salvador, Tainara Ferreira lembra que o próprio nome ‘Axé’ vem da saudação sagrada usada entre irmãos de santo, relacionada à energia vital que emana dos orixás.

Em uma análise, a consultora crê que há tentativas de dissociar o gênero musical de sua espiritualidade original, sendo uma forma moderna de colonização cultural. “O Axé nasceu nos terreiros, nos cortejos de afoxés, nos batuques e atabaques. Apagar isso é negar a origem negra e sagrada desse ritmo que conquistou o mundo. Isso não é evolução, é retrocesso mascarado de adaptação”, critica.

Tainara também chama atenção para o papel da mídia e da indústria musical, que historicamente só abraçaram o axé quando puderam higienizá-lo, retirando suas referências ancestrais e adaptando sua estética a uma visão cristã e mercadológica. “Hoje muitos se dizem representantes, mas não reconhecem os terreiros que fizeram essa música ser o que ela é. Precisamos dar nome às entidades, aos blocos afros e às raízes que sustentam esse legado. Porque axé sem orixá é só algo vazio”, completa.

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